Por Maria Cecilia Oliveira.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que seja um paciente com doença rara ou um paciente com uma doença de maior prevalência, ambos, perante a lei, possuem os mesmos direitos. E aqui estamos falando, obviamente da nossa Lei Maior, da nossa Constituição Federal.
O que vai delimitar, definir esses direitos, não será o fato dessa doença ser rara ou não, mas sim qual o impacto que tem e terá na vida deste indivíduo. Muitas normativas já foram e ainda são criadas a fim de garantir ou, infelizmente, restringir, direitos dos pacientes acometidos por doenças raras ou graves.
Muito se tem falado, elaborado, mas infelizmente o que vemos na prática é a total ausência de um efetivo implemento de políticas públicas de saúde que visem a garantir a esses pacientes o acesso a exames e tratamentos que necessitam,
bem como o acesso a profissionais de saúde capacitados.
Sabemos da precariedade do sistema público de saúde, de todos os problemas encontrados para se ter direito a uma simples consulta em casos corriqueiros, para se ter acesso a tratamentos já contemplados pelas políticas públicas de saúde.
Quando transportamos esse problema para as doenças raras, infelizmente, a questão fica um tanto mais complicada: se já é muito difícil ter acesso à rede básica de saúde, a tratamentos simples para uma virose que seja, diabetes, cardiopatias, doenças pulmonares…. imagine quando falamos de uma doença desconhecida, que afeta um percentual insignificante da população.
Acredito que muitos já tenham ouvido gestores públicos dizerem que o tratamento de um paciente com doença rara acabaria por deixar sem tratamento centenas de indivíduos com outros tipos de patologias bem mais comuns.
Este tipo de discurso, no entanto, é um absurdo e, porque não dizer, um crime contra a vida e a dignidade daquele indivíduo. Ninguém pede para ficar doente, nem muito menos escolhe ter uma doença grave e rara mas, quando isso acontece, este indivíduo tem o mesmo direito à saúde que qualquer outro.
Diferentemente da interpretação dada por nossos gestores de saúde e pelos defensores do Estado (em sentido gênero), o mesmo direito à saúde não significa de forma alguma ter esse indivíduo que vir a se submeter única e exclusivamente aos tratamentos, exames e terapias já contemplados por protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.
Esta interpretação abusiva, absurda, dada por alguns gestores, vem de uma interpretação não menos absurda do que vem a ser o princípio da igualdade, também contemplado em nossa Constituição Federal.
Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade (…)
O princípio da igualdade não pode e não significa, de forma alguma, que todos têm que vir a se sujeitar aos mesmos tratamentos disponibilizados … efetivamente não!!!Significa sim, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na
medida das suas desigualdades. Quando se aplica corretamente esse princípio, tendemos a chegar mais perto de um equilíbrio, minimizando as diferenças individuais. Tendemos a chegar mais perto da justiça.
Temos que ter claro em mente que as políticas públicas de saúde, os protocolos clínicos, as diretrizes terapêuticas, são importantes instrumentos facilitadores, para que o indivíduo venha a ter acesso a consultas, exames, tratamentos;
isto quando falamos de doenças com uma prevalência significativa e que, comprovadamente, existam tratamentos eficazes para um grande percentual de indivíduos com aquela doença. São bons exemplos os protocolos para cardiopatias, diabetes, doenças pulmonares, certos tipos de câncer, esclerose múltipla, doença de Gaucher, entre outras.
Muitos pacientes podem se beneficiar dos tratamentos já contemplados, o que demonstra a importância da existência de protocolos clínicos. No entanto, essas ferramentas facilitadoras do acesso à serviços de saúde não podem ter um caráter absoluto; podem servir como balisadores, facilitadores, mas não como forma de restringir um direito constitucionalmente garantido; ou seja, esses mecanismos servem para regulamentar mas nunca, em hipótese alguma, como um meio de restrição, como constantemente é usado para negar ao paciente os tratamentos específicos que o mesmo necessita.
Também não podemos esquecer que, inobstante a existência de protocolos e diretrizes terapêuticas para determinadas patologias, cada indivíduo é único, cada organismo responde de um jeito ao tratamento proposto, o que é eficaz para um pode não ser para outro.
Quando uma pessoa se vê restringida de ter acesso aos meios necessários para prevenção e recuperação de sua saúde, devidamente prescritos por profissionais médicos que a assistem, ela pode e deve socorrer-se do judiciário para lutar pelo seu direito e principalmente para lutar pelo seu bem maior, qual seja, sua própria VIDA.
Felizmente nosso judiciário, via de regra, tem um posicionamento bem favorável, quando o assunto é a luta pela saúde e vida de um indivíduo. A nossa Suprema Corte, o Supremo Tribunal Federal, se posiciona de forma extremamente favorável e criteriosa sobre o assunto. Num primeiro momento, priorizando o atendimento através dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas disponibilizados pelo Sistema Público de Saúde, a fim de garantir a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança do paciente. Todavia não descarta a possibilidade de questionamentos judiciais, em razão de ineficácia dos tratamentos dispensados pelo SUS, de sua superação por tratamentos mais eficazes, bem como a própria ausência de programas para tratamentos de determinadas patologias e, neste caso, incluindo a imensa maioria das doenças raras.
Nosso judiciário e, neste aspecto, principalmente o STF, também tem sido de grande importância ao decidir favoravelmente ao paciente, quando da necessidade de tratamentos que, infelizmente, embora com a eficácia devidamente reconhecida pela ANVISA, ainda não foram incluídos nos protocolos ou mesmo tratamentos que ainda não foram registrados no Brasil, mas que já contam com registro em seu país de origem e outros órgãos internacionais, principalmente o FDA, nos Estados Unidos e o EMA na Europa.
Neste último aspecto, muitos pacientes com doenças raras são garantidos por ordens judiciais, a poderem ser submetidos a exames e tratamentos que necessitam para a busca da cura ou controle de sua doença.
Esta é uma luta árdua mas repleta de grandes vitórias e, tenho certeza, que com união e perseverança mudaremos, como já estamos fazendo, a realidade de nosso país.
Maria Cecília J.B.M. de Oliveira
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Presidente da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (AFAG)